
/Rua do
Ouvidor
Essa via foi conhecida como o Desvio do Mar e Aleixo Manuel. Mais tarde, passou a chamar-se Ouvidor, pois nela moravam magistrados que a Câmara estava obrigada a dar aposentos com cama, escrivaninha, louças e mobília. No início do século XIX, a rua do Ouvidor era poeirenta, esburacada e possuía uma vala a céu aberto. Sua rotina era caótica, pois a pavimentação era precária e havia trânsito intenso de pedestres, cavaleiros, carroças, burros, bois e “cadeirinhas”. (COHEN, 2001)
Somente com a Abertura dos Portos (1808) que a rua ganha mais destaque. Desde então, negociantes franceses e ingleses começam a se instalar na região como importadores e atacadistas, abrindo as primeiras lojas de louças e tecidos. Em meados do oitocentismo, o local vive seu momento áureo, com lojas femininas que ofereciam de roupas a adereços para penteados e demais serviços, como alfaiates, barbeiros e sapateios. (KURY, 2018).
Nas últimas décadas do século XIX, a implementação dos bondes e a atualização da iluminação trouxeram benefícios, tornando o local mais claro, seguro e acessível. A primeira linha regular de bondes foi instalada, em 1868, pela Companhia do Caminho de Caris de Ferro do Jardim Botânico (Botanical Garden Rail Road). A iluminação elétrica chegou em 1891 e, a partir de 1905, passou por reformas que incluíram a introdução de lâmpadas de arco voltaico nas luminárias. (COHEN, 2001)
Na passagem do século XIX para o século XX, a rua atraía com suas vitrines um grande público. Muitas casas de artigos para vestir tinham nomes franceses ou faziam referência a ícones parisienses como a Madame Dreyfus ou a Palais Royal. Entre as lojas mais conhecidas também estavam a Notre Dame (tecidos finos), a Madame Roche (indumentária feminina) e a Torre Eiffel (roupas masculinas). (KURY, 2018)
As perfumarias e cabeleireiros também fizeram sucesso nos anos 1800, ocupando grande parte das lojas térreas da via. No entanto, com a multiplicação de magazines no início do século seguinte, esse tipo de comércio ficou mais escasso. Algumas joalherias também fecharam nessa mesma época por não conseguir suportar a concorrência das grandes casas comerciais. (COHEN, 2001)
Lojas dedicadas ao vestuário feminino e masculino se tornaram populares no princípios dos anos 1900 como a Bastidor de Bordar (da Madame Roche), a Casa Gomes (vendida depois para a Luvaria Cavanellas), a Ao Ganha Pouco (de modas e fazendas) e a Casa Carmo (de luvas). Havia ainda as lojas de variedades e de presentes, como a América China, inaugurada em 1840, que trazia produtos populares. A influência britânica podia ser notada em algumas outras casas de comércio como na Mappin&Webb, que atendia a clientela com hora marcada, de acordo com o costume britânico.
A rua do Ouvidor também passou a abrigar empresas do campo jornalístico a partir de 1870. Ao lado do pioneiro Jornal do Commercio (1870), foram se instalando novos periódicos como A República (1870) e O Correio da Manhã (1901). Além disso, várias revistas se instalaram nessa região, tais como a Revista da Semana (1900), O Malho (1902), A Ordem (1914) e o Rio-Jornal (1918). A vasta produção editorial funcionava como um chamariz para intelectuais, entre os quais estavam Joaquim Nabuco, Teófilo Ottoni, João do Rio, Olavo Bilac, Arthur Azevedo, José do Patrocínio, Lima Barreto e Machado de Assis. Eles frequentavam as diversas livrarias instaladas na via, como a Editora Lammert, em 1848.
As personalidades da época também se encontravam nos restaurantes e cafés da rua do Ouvidor, como o famoso Café do Rio, que ficava localizado no primeiro andar do mesmo prédio onde estava o Hotel Provenceaux, uma estalagem de reputação duvidosa. Inaugurado em 1889, ele foi completamente destruído em um incêndio e precisou ser reconstruído. Em 1891 reabriu, dando continuidade aos seus serviços que se estenderam pelos primeiros anos do século XX. Para atender a freguesia, o comércio de comestíveis oferecia iguarias estrangeiras e pratos internacionais. Patês, glacês e doces cristalizados vindos da França, da Inglaterra e da Alemanha eram alguns dos produtos mais consumidos e podiam ser encontrados na Confeitaria Godard ou na Confeitaria Pascoal. Era possível encontrar ainda o Restaurante Chinês - o primeiro especializado em comida oriental do Rio de Janeiro, fundado em 1880.
O público instruído da Ouvidor também visitava a rua em busca de instrumentos musicais e aparelhos sonoros alinhados aos padrões internacionais. A loja Ritter (1907) vendia pianos importados, enquanto a Casa Carlos Gomes ofertava as partituras mais vendidas no exterior. A Casa Cavaquinho de Ouro, por outro lado, dedicava-se aos ritmos brasileiros, agradando jovens interessados em choros, serenatas e concertos populares.
Na via, também se podia ouvir, na Galeria Moncada, as novidades musicais através do fonógrafo, introduzido no Brasil, em 1878, via Thomas A. Edison. Em 1900, as Lojas Bogary, as Casas Édison e a Victor Talking Machine Co. começaram a comercializar fonógrafos. Nos anos 1920, os discos elétricos veroton, da marca Odeon, já podiam ser comprados e reproduzidos em vitrolas.
Espaço de novidade, a rua do Ouvidor também trazia outros avanços como o kinoscópio (ou animatógrafo), introduzido pelo italiano Pachoal Segretto, abrindo assim a vinda de outros investidores no promissor mercado cinematográfico. Após 1910, alguns cinemas foram instalados em lojas vizinhas, entre eles o Ouvidor, o Kab-kab e o Palace.
Alberto Cohen afirma que a Rua do Ouvidor foi ocupada por vários bancos entre os séculos XIX e XX que prosperaram em função da fervilhante atividade comercial da via. Caracterizou-se ainda por abrigar uma grande seguradora: a Companhia de Seguros Sul América. (COHEN 2001, p.116 e 117)
Deve-se, contudo, salientar que o sucesso dos negócios da Rua do Ouvidor também se devia aos servidores das casas comerciais. Em função disso, a Associação dos Funcionários do Comércio foi criada em 1880 nos salões do Jockey Club situados no número 28, transferindo-se depois para uma sede própria no edifício 50. A instituição foi resultado de um movimento trabalhista. Graças às suas ações, em 1912, foi definido que os estabelecimentos comerciais fechariam às 19h, com uma jornada de trabalho de 12 horas. Essa decisão só foi revista em 1932, ano em que Getúlio Vargas instituiu a folga aos domingos e o expediente de 8 horas diárias.
Referências
Fontes:
COHEN, Alberto.Ouvidor, a rua do Rio. Rio de Janeiro: AACohen, 2001.
KURY, Lorelai (org). Lugares de memória: a França no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2018.

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