
/Rua
Direita
Na rua Direita (atual Rua Primeiro de Março), assim denominada por ficar situada à direita da bahia de Guanabara, estavam situadas as principais casas comerciais entre meados do século XVIII e a primeira metade do século XIX. Por ser a via mais desenvolvida da época, recebeu em 1817 o cortejo do primeiro casamento real realizado no Brasil: entre d. Pedro I (o príncipe herdeiro de Portugal e Brasil) e d. Leopoldina (filha de Francisco I, o imperador da Áustria). A cerimônia religiosa que celebrou essa união ocorreu na igreja de Nossa Senhora do Carmo, então Catedral da Sé. (GERSON, 2013)
No princípio do século XIX alguns edifícios cristãos monumentais estavam localizados nessa via, entre eles a igreja de Nossa Senhora do Carmo, inaugurada na segunda metade do setecentismo (1761). Lá estavam também o convento do Carmo, fundado no século XVI por irmãos carmelitas; a igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora Monte Carmo, construída por Manuel Alves Setúbal (1755 - 1770) e decorada pelos mestres Luiz da Fonseca Rosa e Valentim da Fonseca e Silva (1768 - 1800); além da igreja da Santa Cruz dos Militares, originária do início do século XVII, reformada entre 1780 e 1811 por José Custódio de Sá e Faria e ornamentada por mestre Valentim entre 1802 e 1812. Todas essas construções religiosas tornavam a rua mais imponente e valorizada em termos comerciais e residenciais.
Tantos marcos dos movimentos artísticos Barroco, Rococó e Neoclassicismo, somados ao comércio mais moderno da cidade, atraíram para a rua Direita residentes proeminentes como barão de Bonfim (José Francisco de Mesquita) e o comerciante “de sobrado” Elias Antônio da Silva, capitão das tropas não pagas da coroa e doador a Quinta da Boa Vista à família real. Além disso, a fundação do Banco do Brasil (1808) por d. João VI na esquina com a rua São Pedro (onde atualmente se encontra a Avenida Presidente Vargas) também colaborou para o desenvolvimento da região. (MORALES DE LOS RIOS FILHO, 2000)
Sendo a mais destacada rua do Centro do Rio, a rua Direita era também um dos principais pontos da moda. Antes da chegada da corte portuguesa, transitavam por lá os homens mais elegantes dessa época estavam o vice-rei marquês de Lavradio, D. Luís de Vasconcelos Souza, o conde de Resende, o marquês de Aguiar e o conde dos Arcos de Val-de-Vez. Tanto nobres quanto burgueses respeitavam critérios de estilo originários da França, ainda que esses princípios, uma vez ou outra, precisassem ser adaptados à realidade local por carência de recursos ou de informação.
Com a chegada da família real, cresceu ainda mais o número de residentes bem-vestidos na cidade do Rio de Janeiro, como os condes da Barca, de Loulé, de Linhares, de Cavaleiro, e os marqueses de Marialva e de Belas. A influência da moda francesa continuou sendo grande, mas passou a rivalizar com a inglesa, já que um número considerável de ingleses chegou à cidade com d. João VI, sobretudo no que se referia à moda masculina. As mudanças no vestuário refletiam um processo de transformação material, econômico e político, mais amplo e complexo. Nessa ocasião, muitos comerciantes estrangeiros estabeleceram-se no Centro, nas imediações da rua Direita, desempenhando um papel importante na transformação dos hábitos de consumo e trazendo ares de modernidade para a cidade do Rio de Janeiro. Porém, em contraste a todo esse luxo, circulavam pela Rua Direita e em suas proximidades os trabalhadores comuns e “negros de ganho” (vendedores ambulantes) que vestiam calças e camisas simples. Muitas vezes, andavam sem camisa e descalços, prendiam as calças com cordas e usavam acessórios doados. Desde o Brasil-colônia, o Rio de Janeiro foi uma cidade com desigualdades que apenas se acentuaram após a vinda da corte.
A rua Direita foi considerada via mais avançada do Rio até meados do século XIX, quando a rua do Ouvidor a suplantou em termos de desenvolvimento comercial. De todo modo, por volta de 1900, a Direita ainda era um dos pontos mais agitados do Centro da cidade. A movimentação e imponência da rua Direita nos primeiros anos do século XX devia-se, em grande parte, à presença de dois importantes prédios situados entre a rua do Rosário e a rua do Sabão. Eles começaram a ser erguidos no final do terceiro império a partir de um acordo entre o governo e a Associação Comercial. As obras iniciadas em 1875 contaram com a verba de 4.554.000$000 destinada à construção de três majestosos edifícios: o primeiro abrigaria o Correio Central e a Caixa de Amortização, o segundo alojaria a Associação Comercial e o último seria ocupado por bancos e escritórios. No entanto, em virtude do pouco espaço disponível, concluiu-se que não seria possível edificar três blocos. A essa altura, a sede dos Correios já havia sido levantada. Optou-se, então, pela elevação de uma única estrutura. Com a reformulação do plano inicial, o projeto atrasou e os recursos se esgotaram. A empreitada só teve fim em 1906, com um empréstimo de 500 contos obtido na gestão de Rodrigues Alves. (GERSON, 2013)
O Centro Cultural da Justiça Eleitoral data da mesma época e completa o conjunto arquitetônico dessa região. Situado na esquina da rua do Rosário, o edifício assinado pelo arquiteto Paulo Schoreeder, combina elementos neoclássicos e barrocos com características do movimento art nouveau. Foi concebida pelo Banco do Brasil, mas abrigou a Caixa de Amortização e, anos mais tarde, o Supremo Tribunal Eleitoral. (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2020)
Os edifícios idealizados sob o reinado de d. Pedro II ficavam próximos a dois tipos de comércio muito frequentados pelos cariocas nos tempos do império: as boticas e as confeitarias. As farmácias, particularmente, tomavam o trecho entre o largo do Paço e a igreja da Santa Cruz dos Militares no final do século XIX. Entre as mais renomadas estavam a do Leça, a do Araújo e a do Amarante. Mas a mais reconhecida de todas era a Granado. Fundada por Antônio Coxito Granado, estava instalada nos números 14 e 16 da rua Direita e ofertava medicamentos produzidos a partir de extratos vegetais extraídos de flores, ervas e plantas cultivadas por seu proprietário em Teresópolis. A marca fez tanto sucesso que, em 1880, recebeu o título de Farmácia Oficial da Família Imperial Brasileira. (GRANADO, 2020)
Instaladas no lado oposto àquele ocupado pelas boticas estavam as confeitarias. A confeitaria Fracioni, fundada no final do século XIX por um confeiteiro francês, foi uma das precursoras do setor. Inaugurada inicialmente em um imóvel da rua do Ouvidor, transferiu-se para a rua Direita onde ocupou instalações mais amplas. Fixou-se por muitas décadas nas cercanias da igreja de Nossa Senhora do Carmo onde também se encontrava a confeitaria Carceler. A casa comercial fundada por Carceler & Scraoder foi considerada a maior loja de doces do local e fez tanto sucesso entre os comensais cariocas que os mesmos apelidaram a Direita de boulevard Carceler. Outros empreendimentos do mesmo ramo foram abertos nas lojas vizinhas, fazendo com que o local ficasse famoso por suas docerias. (GERSON, 2013)
Esses exemplos demonstram que a rua Direita ocupava lugar de destaque no âmbito mercantil no princípio do século XX, mesmo não apresentando tantos empreendimentos quanto a rua do Ouvidor, nem ostentando o mesmo padrão de desenvolvimento da avenida Central. Seguindo a mesma tendência das boticas e confeitarias, a via possuía ainda uma estalagem que resistiu à passagem do tempo e à forte concorrência de empresas mais modernas: o hotel de France. Ele oferecia uma das melhores hospedagens do Rio no final do século XIX e conseguiu sobreviver até 1930, sendo reconhecido pela qualidade de seus serviços. (RIO QUE PASSOU, 2006)
Referências
GERSON, Brasil. História das ruas do rio. Rio de Janeiro: Bem-te-vi, 2013.
GRANADO. História da Granado. https://www.granado.com.br/institucional/historia-granado. Acesso em: junho de 2020.
MORALES DE LOS RIOS FILHO, Adolfo. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: TopBooks, 2000.
RIO QUE PASSOU. Rua Direita, segunda metade do século XIX. Disponível em: https://rioquepassou.com.br/2007/02/07/rua-direita-segunda-metade-do-sec-xix/ Acesso em maio de 2020.
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. História do Tribunal Superior Eleitoral. http://www.tse.jus.br. Acesso em: junho de 2020.

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